quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Ninguém lê em livrarias



Entra em uma livraria. Acerca das pessoas, tinham um traço comum, curiosidade. Não era a leitura, atividade solitária, que procurava. Via-se pessoas em pares, não mais que isso. Os livros eram apresentados como salsichas penduradas atrás do balcão. Mas desse alimento, comia poucos. Na verdade, há muito vegetarianos de livros nesse mundo, não os entendo.
Entendeu que estava no lugar certo pra isso, mas com a intenção errada, e dissimulou a vontade, pondo-se a procurar um livro.
- Boa tarde. Poderia procurar por Guerra e paz? - pergunta para uma atendente.
- Boa tarde. Qual o sobrenome do autor?
- Penso que é Tolstói. - passa a coçar o queixo. - Ou seria Liev?
- Não sei, senhor.
- Bem, pode ainda ser Leon. - divaga.
Ela, que acostumada com tais situações, age de forma indiferente.
- Achei como Tolstói. Mas na loja não temos o livro Guerra e Paz.
- Pode ser qualquer um.
Ela começa a pensar que ele deve ser vegetariano.
- Estão por aqui. - ela se coloca a andar e espera que ele vá atrás dela.
- Todos esses são dele.
Para pensar ainda mais que ele é vegetariano, ele brinca:
- Esses são do Tolstói ou do Liev? Seriam ainda do Leon?
Agora ela que coça o queixo.
- Não sei senhor. - muda a posição do pé, indicando que quer sair da conversa.
O homem fica sem graça, e apenas agradece.
Ainda olhando qualquer coisa, começa a pensar sobre a conversa. E quando retorna, se esquece de onde estavam os livros. Não os consegue achar, parece que ela os escondeu por vingança. E ele parece que está em uma churrascaria, não tem nada pra ele.
Pensa que talvez fosse interessante comprar o livro Quarto de Despejo. E procura uma outra atendente. Esta é muito mais bonita, parece que trabalha no lugar errado.
- Com licença - diz ele - Poderia procurar o livro Quarto de Despejo?
- Sim, claro! - ela é totalmente diferente da outra, ela é enérgica.
Começa a procurar, e encontra alguns.
- Este livro é de criança? - pergunta ela.
- Não, não. - começa a rir - é um livro escrito por uma catadora de reciclados.
- Então o nome está incompleto. Deve ser esse aqui. - e aponta na tela o nome "Quarto de despejo: diário de uma favelada".
- Então deve ser esse mesmo. - diz.
- Mas esse não tem viu.
Ele pensa em qualquer outra coisa.
- Que tal Gabriel Garcia Marquez? - e olha com um sorriso que diz, "não estou no lugar errado".
- Esse temos, e vários. 
- Me mostra onde ficam?
- Claro. Temos alguns aqui e outros dois no andar de cima. Me espere.
- Não. Acho que eu já poderia escolher dentre os que estão aqui em baixo.
E eles discutem por um tempo, sobre quem é o mais gentil. Mas ela cede.
- Ok. - ela os mostra. - Enquanto você os olha, pego os outros. Só um momento.
- Muito obrigado.
Não são muitos. E como já era de se esperar, todos se encontram em volta do Cem Anos de Solidão. Na verdade, ele não conhecia os outros. Mas pensa que deveria conhecê-los.
- Senhor, aqui estão. - ela chega com dois livros. 
Ele sabe que está perto do fim. O que mais dizer? Ela vai embora, não é uma atendente exclusiva. Ele escolhe o de capa mais feia e vai de encontro à ela, que está logo adiante.
- Posso ler este aqui? 
- Claro. Temos bancos lá em cima.
- Ótimo. Eu guardarei estes que você pegou, não se preocupe. - ele diz.
A batalha recomeça.
- Não, de forma alguma. Eu guardo para o senhor.
Eles vão juntos, e enquanto sobem as escadas, ele não resiste e pergunta:
- Quanto tempo eu tenho?
Ele não sabia, mas essa pergunta o levaria para essa estória. Na verdade, é em uma pequena frase, que nossa vida muda. E enquanto isso for verdade, fiquem quietos os que não sabem o que dizer.
- Não tem tempo. 
Ele agora percebe que essa pergunta o leva para algo animador.
- Posso então ler este livro inteiro?
Ela sorri e percebe a brincadeira. E com toda sua energia feminina, resolve entrar por esse caminho. Um caminho que não sabia ser o motivo de um toque, o motivo de uma lembrança, um motivo.
- Você lê em duas horas? - por quê esse número exato? Ela não sabia.
- Por quê? - pergunta ele.
- Quando estiver chegando perto de duas horas, chamo alguém e ele vem buscar o livro. - ela usa um olhar sarcástico.
Ele ri descontroladamente e por um momento fica calado. Afinal, ele não esperava encontrar em uma livraria, alguém que desse respostas de pessoa que lê.
Logo depois que ela guarda os livros, ele diz.
- Duas horas é muito pouco.
- É verdade.
- Obrigado. É só sentar por aqui?
- Sim, fica a vontade - ela vai embora.
Ele esquece o porque gosta de ler. Não faz ideia de como chegou lá em cima, e o que é pior, descer seria estranho demais.
Senta-se com o livro O Outono do Patriarca, e começa a folhear. Logo se encanta com o Realismo Mágico, mas depois de duas páginas, revive a realidade em que viveu bobagens. Sim, porque são bobagens. São apenas estórias que não dependem do acontecido, mas sim da memória e em falsos casos, da criatividade. Por quê não ir embora e esquecer essa estória? 
Ele desce com o livro e a encontra. Está parada, olhando qualquer coisa. Já esquecida da brincadeira que fez, e que na verdade, não significou nada.
Ele guarda o livro e pensa em uma última bobagem, que talvez mostrasse um enredo ainda maior. E como numa música, que começa lenta e sem respiração, flui de forma enganosa, até ranger os dentes.
Ele vai até ela.
- Gastei duas horas pra você. Daqui a pouco poderá ir embora.
Ela ri de forma inteligente, e lhe toca com a mão. Um gesto que diz: "Eu sei o que você pensa. Mas se pensasse o que eu penso, não pensaria nisso"
Ele vai embora com um sorriso no rosto e com uma lembrança, que embora falsa, é uma estória.